O escritor mexicano Jaime Sabines teve o lado político, de oposição ao movimento zapatista, e tem o lado poético, do “sniper da literatura”. Aqui, olhei para a poesia. Os originais são da edição da Joaquín Mortiz, Recuento de poemas 1950 / 1993.

*

Do mito

Minha mãe me contou que chorei em seu ventre.

A ela lhe disseram: terá sorte.

Alguém me falou todos os dias da vida

Ao ouvido, pausado, lentamente.

Me disse: vive, vive, vive!

Era a morte.

*

Os amorosos

Os amorosos calam.

O amor é o silêncio mais delicado

o mais trêmulo, o mais insuportável.

Os amorosos buscam,

os amorosos são os que abandonam,

são os que mudam, os que esquecem.

Seu coração lhes diz que nunca hão de encontrar,

não encontram, buscam.

Os amorosos andam como loucos

porque estão sós, sós, sóis

entregando-se, dando-se a cada instante,

chorando porque não salvam o amor.

Preocupa-lhes o amor. Os amorosos

vivem o dia, não podem fazer mais, não sabem.

Estão sempre indo,

sempre, por alguma parte.

Esperam,

nada esperam, mas esperam.

Sabem que nunca hão de encontrar.

O amor é o eterno postergar,

sempre o passo seguinte, o outro, o outro.

Os amorosos são insaciáveis,

os que sempre – que bom! – hão de estar sós.

Os amorosos são a hidra da lenda.

Têm serpentes em lugar dos braços.

As veias do colo lhes saltam

também como serpentes para asfixiá-los.

Os amorosos não podem dormir

porque se dormem os comem os vermes.

Na obscuridade abrem os olhos

e cai sobre eles o espanto.

Encontram escorpiões sob o lençol

e sua cama flutua como sobre um lago.

Os amorosos são loucos, só loucos,

sem Deus e sem diabo.

Os amorosos saem de suas covas

trêmulos, famintos,

a caçar fantasmas.

Riem-se das gentes que sabem tudo,

das que amam a eternidade, verdadeiramente,

das que creem no amor com em um lampião a óleo inesgotável.

Os amorosos jogam de pegar a água

de tatuar fumaça, de não ir.

Jogam o longo, o triste jogo do amor.

Ninguém há de se resignar.

Dizem que ninguém há de se resignar.

Os amorosos se envergonham de todo conformismo.

Vazios, mas vazios de uma outra costela,

a morte lhes fermenta por trás dos olhos,

e eles caminham, choram até de madrugada

em que trens e galos se despedem dolorosamente.

Chega-lhes às vezes um cheiro de terra recém-nascida,

de mulheres que dormem com a mão sobre o sexo,

comprazidas,

de correntes de água morna e de cozinhas.

Os amorosos se poem a cantar entre os lábios

uma canção não aprendida.

E se vão chorando, chorando

a bela vida.

*

Me alegro de que o sol tenha saído depois de tantas horas: me alegro de que as árvores se espreguicem como quem sai da cama; me alegro de que os carros tenham gasolina e eu tenha amor; me alegro de que este seja o dia 26 do mês; me alegro de que não nos tenham matado.

Me alegro de que haja gentes tristes, como essa garota que poderia me querer se não quisesse outro. Me alegro do bem de Deus que me deixa alegrar-me.

Pirlim, Pimpim! Estou alegre: quero sê-lo todo. Não embriagar-me com este copo de tequila, senão curar tua alma. Virar-me de ponta cabeça para que rias. Mostrar-te a língua para que te contraia a barriga.

Te mordo debaixo da orelha, te ensalivo o mamilo esquerdo, e sei que estou perto de teu coração, certamente.

Veja, dia: vamos ser bons amigos. Não darei nada a ninguém. Serei generoso: ajoelharei-me num canto e estenderei minhas mãos abertas. Que me deem um centavo o sol, o homem que passa, as meninas que vão à escola e até as velhinhas que vêm da igreja. Quero ser bom, como aquele que acaba de sair do cárcere.

Saúde, esqueletos!

*

O dia

Amanheci sem ela.

Mal ela se move.

Recorda.

(Meus olhos, mais delgados,

a sonham.)

Que fácil é a ausência!

E nas folhas do tempo

essa gota do dia

resvala, treme.

*

Que puta merda posso fazer com meu joelho,

com minha perna tão longa e magra,

com meus braços, minha língua

com meus olhos magros?

Que posso fazer neste redemoinho

de imbecis bem intencionados?

Que posso com inteligências putrefeitas

e com menininhas que não querem homem senão poesia?

Que posso entre os poetas fardados

de acadêmicos ou de comunistas?

Que, entre vendedores ou políticos

ou pastores de almas?

Que puta merda posso fazer, Tarumba,

se não sou santo, nem herói, nem bandido

nem adorador de arte,

nem boticário,

nem rebelde?

Que posso fazer se posso fazer tudo

e não tenho ganas senão de olhar e olhar?

*

Há um modo de que me faças completamente feliz, amor meu: morra.

*

I. CUBA 65

I

Não sei, a essa altura, como dizer as coisas que sucedem.

Estou um pouco apagado, um pouco triste,

um pouco incrédulo e vazio.

Deixei passar três meses de propósito

para olhar em mim, olhar-te longe,

são e salvo de ti, Cuba caliente.

(Eis aqui o primeiro erro. Não quero ater-me

às palavras nem ao ritmo.

Livre-me Deus de mim

assim como me livrei de Deus.)

Subscrevo o que disse a imprensa reacionária do mundo.

(Assim irá começar.)

Em Cuba há privações, há escassez, não há frangos,

não há vestidos suntuosos nem automóveis último modelo,

há poucas medicinas e muito trabalho para todos.

Subscrevo isso.

Quero aclarar que não me paga as contas o partido comunista,

nem recebo dólares da embaixada norte-americana

(Que bem o estão fazendo os gringos

no Vietnã e em São Domingo!)

Não costumo me meter com a poesia política

nem pretendo abraçar o mundo.

Mas bem sou um burguês acomodado a tudo,

à vida, à morte e à desesperança.

Não tenho hábitos saudáveis

nem aprendi a rir nem a conversar com ninguém.

Sou um pouco de tudo,

e penso que se estivesse em um navio pirata

dariam na mesma o capitão ou o cozinheiro.

II

“Fome e sede de justiça”

é mais que somente a fome e a sede?

De onde um povo inteiro contrai a barriga?

Porque sim!

De que raiz de rancor,

de quanta injúria,

de quanta revanche represada,

de quantos sonhos postergados

surge a força de hoje?

Porque é necessário dizer isto:

para acabar com a Cuba socialista

há que acabar com seis milhões de cubanos,

há que atravessar a Cuba com uma foice imensa

ou fiscalização em cima das bombas atômicas e os diabos.

(Senhor Presidente Johnson:

afundemos a Cuba

porque a ilha de Cuba navega perigosamente

ao redor da América.)

III

Quem é Fidel?, me dizem,

e eu não o conheço.

Uma noite no litoral uma garota que estava comigo

deu de gritar aos aplausos: “lá vai Fidel,

lá vai Fidel”, e eu vi passar três carros.

Outra vez, durante um jogo de bola,

a gente que gritava:

“não seja um mala, Fidel”

como quem fala a um irmão.

“Veio Fidel e disse…”, diz o camponês.

O operário diz: Veio Fidel.

Saquei em conclusão de tudo isso

que Fidel é um duende cubano.

Tem o dom da ubiquidade,

está na escola e no campo,

na junta de ministros e no abrigo serrano

entre os juncos e as bananas.

Na realidade, Fidel é o nome

do vento que levanta cada cubano.

* * *

Del mito

Mi madre me contó que yo lloré en su vientre.

A ella le dijeron: tendrá suerte.

Alguien me habló todos los días de mi vida

al oído, despacio, lentamente.

Me dijo: ¡vive, vive, vive!

Era la muerte.

*

Los amorosos

Los amorosos callan.

El amor es el silencio más fino,

el más tembloroso, el más insoportable.

Los amorosos buscan,

los amorosos son los que abandonan,

son los que cambian, los que olvidan.

Su corazón les dice que nunca han de encontrar,

no encuentran, buscan.

Los amorosos andan como locos

porque están solos, solos, solos,

entregándose, dándose a cada rato,

llorando porque no salvan al amor.

Les preocupa el amor. Los amorosos

viven al día, no pueden hacer más, no saben.

Siempre se están yendo,

siempre, hacia alguna parte.

Esperan,

no esperan nada, pero esperan.

Saben que nunca han de encontrar.

El amor es la prórroga perpetua,

siempre el paso siguiente, el otro, el otro.

Los amorosos son los insaciables,

los que siempre -¡que bueno!- han de estar solos.

Los amorosos son la hidra del cuento.

Tienen serpientes en lugar de brazos.

Las venas del cuello se les hinchan

también como serpientes para asfixiarlos.

Los amorosos no pueden dormir

porque si se duermen se los comen los gusanos.

En la oscuridad abren los ojos

y les cae en ellos el espanto.

Encuentran alacranes bajo la sábana

y su cama flota como sobre un lago.

Los amorosos son locos, sólo locos,

sin Dios y sin diablo.

Los amorosos salen de sus cuevas

temblorosos, hambrientos,

a cazar fantasmas.

Se ríen de las gentes que lo saben todo,

de las que aman a perpetuidad, verídicamente,

de las que creen en el amor

como una lámpara de inagotable aceite.

Los amorosos juegan a coger el agua,

a tatuar el humo, a no irse.

Juegan el largo, el triste juego del amor.

Nadie ha de resignarse.

Dicen que nadie ha de resignarse.

Los amorosos se avergüenzan de toda conformación.

Vacíos, pero vacíos de una a otra costilla,

la muerte les fermenta detrás de los ojos,

y ellos caminan, lloran hasta la madrugada

en que trenes y gallos se despiden dolorosamente.

Les llega a veces un olor a tierra recién nacida,

a mujeres que duermen con la mano en el sexo,

complacidas,

a arroyos de agua tierna y a cocinas.

Los amorosos se ponen a cantar entre labios

una canción no aprendida,

y se van llorando, llorando,

la hermosa vida.

Me alegro de que el sol haya salido después de tantas horas: me alegro de que los árboles se estiren como quien sale de la cama; me alegro de que los carros tengan gasolina y de que yo tenga amor; me alegro de que éste sea el día 26 del mes; me alegro de que no nos hayamos muerto.

Me alegro de que haya gentes tristes, como esa muchacha que podría quererme si no quisiera a otro. Me alegro del bueno de Dios que me deja alegrarme.

¡Tilín, Pirrín! Yo estoy alegre: quiero hacerlo todo. No emborracharme con este vaso de tequila sino curar tu alma. Pararme de cabeza para que rías. Sacarte la lengua para que te aprietes la barriga.

Te muerdo debajo de la lengua, te ensalivo el pezón izquierdo, y sé que estoy cerca de tu corazón, ciertamente.

Mira, día: vamos a ser buenos amigos. No daré nada a nadie. Seré generoso: me arrodillaré en una esquina y extenderé mis manos abiertas. Que me den un centavo el sol, el hombre que pasa, las niñas que van a la escuela y hasta las viejecitas que vienen de la iglesia. Quiero ser bueno, como el que acaba de salir de la cárcel.

¡Salud, esqueletos!

*

El día

Amaneció sin ella.

Apenas si se mueve.

Recuerda.

(Mis ojos, mas delgados,

la sueñan.)

¡Qué fácil es la ausencia!

En las hojas del tiempo

esa gota del día

resbala, tiembla.

*

¿Qué putas puedo hacer con mi rodilla,

con mi pierna tan larga y tan flaca,

con mis brazos, con mi lengua,

con mis flacos ojos?

¿Qué puedo hacer en este remolino

de imbéciles de buena voluntad?

¿Qué puedo con inteligentes podridos

y con dulces niñas que no quieren hombre sino poesía?

¿Qué puedo entre los poetas uniformados

por la academia o por el comunismo?

¿Qué, entre vendedores o políticos

o pastores de almas?

¿Qué putas puedo hacer, Tarumba,

si no soy santo, ni héroe, ni bandido,

ni adorador del arte,

ni boticario,

ni rebelde?

¿Qué puedo hacer si puedo hacerlo todo

y no tengo ganas sino de mirar y mirar?

*

Hay un modo de que me hagas compeltamente feliz, amor mío: muérete.

*

I. CUBA 65

I

No sé, a estas alturas, cómo decir las cosas que suceden.

Soy un poco apagado, un poco triste,

un poco incrédulo y vacío.

Dejé pasar tres meses a propósito

para mirar en mí, mirarte lejos,

sano y salvo de ti, Cuba caliente.

(He aquí el primer error. No quiero atarme

a las palabras ni al ritmo.

Líbreme Dios de mí

igual que me he librado de Dios.)

Suscribo lo que dice la prensa reaccionaria del mundo.

(Así iba a empezar.)

En Cuba hay privaciones, hay escasez, no hay poitos,

no hay vestidos suntuosos ni automóviles último modelo,

hay pocas medicinas y mucho trabajo para todos.

Suscribo esto.

Quiero aclarar que no me paga un sueldo el partido comunista,

ni recibo dólares de la embajada norteamericana

(¡Qué bien la están haciendo los gringos

en Vietnan y en Santo Domingo!)

No acostumbro meterme con la poesía política

ni trato de arreglar el mundo.

Más bien soy un burgués acomodado a todo,

a la vida, a la muerte y a la desesperanza.

No tengo hábitos sanos

ni he aprendido a reír ni a conversar con nadie.

Soy un poco de todo,

y pienso que si fuera en un buque pirata

sería lo mismo el capitán que el cocinero.

II

Hambre y sed de justicia”

¿es más que sólo el hambre y la sed?

¿De dónde un pueblo entero se aprieta la barriga

por que sí?

¿de qué raíz de rencor,

de cuánta injuria,

de cuánta revancha detenida,

de cuántos sueños postergados

surge la fuerza de hoy?

Porque es necesario decir esto:

para acabar con la Cuba socialista

hay que acabar con seis millones de cubanos,

hay que arrasar a Cuba con una guataca inmensa

o echarle encima todas las bombas atómicas y los diablos.

(Señor Presidente Johnson:

hundamos a Cuba

porque la isla de Cuba navega peligrosamente

alrededor de América.)

III

¿Quién es Fidel?, me dicen,

y yo no lo conozco.

Una noche en el malecón una muchacha que estaba conmigo

dio de gritos palmoteando: “ahí va Fidel,

ahí va Fidel”, y yo vi pasar tres carros.

Otra vez, en un partido de pelota,

la gente le gritaba:

no seas maleta, Fidel”

como quien le habla a un hermano.

Vino Fidel y dijo…”, dice el guajiro.

El obrero dice: Vino Fidel.

Yo he sacado en conclusión de todo esto

que Fidel es un duende cubano.

Tiene el don de la ubicuidad,

está en la escuela y en el campo,

en la junta de ministros y en el bohío serrano

entre las cañas y los plátanos.

En realidad, Fidel es el nombre

del viento que levanta a cada cubano.

(publicado originalmente no empório em 27 de maio de 2013)

*

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s